Entrevista com Gonçalo Martins – CEO e fundador da Chiado Books

Quando e como surgiu a Chiado Books?

A Chiado nasceu num apartamento de Lisboa. Era um apartamento pequeno, mas com uma biblioteca minimamente interessante! Li muito nesse local. Mas alguns dos autores mais surpreendentes que lia não provinham das grandes editoras. Descobria-os em um circuito muito reservado de eventos, tertúlias e convívios literários que frequentava. Nesses encontros, conheci alguns grandes autores desconhecidos do grande público. Eram autores que, não encontrando abertura por parte das editoras convencionais para a sua publicação, partilhavam nestas tertúlias os seus poemas, contos, crônicas, etc.

O mais impressionante era o fato de poucos destes autores terem sequer um livro físico que pudessem apresentar, vender ou oferecer. No espaço online, todos os dias descobria alguém novo, quer num dos muitos blogs pessoais que se multiplicavam na altura, quer em blogs coletivos. Sentia que era dramático perceber que o livro como o conhecemos, em papel, publicado com dignidade, estava cada vez mais reservado para uma mão cheia de autores, quase sempre os mesmos. Teria que existir uma forma de permitir a criação de oportunidades de publicação para uma vasta multidão de autores silenciados que eu sabia existir.

A minha visão era de uma editora plural, democrática, que viesse desafiar um universo editorial que estava cada vez mais fechado. Uma editora que contribuísse para alargar e diversificar a oferta disponível e que deixasse ao leitor o juízo e a escolha finais. Uma editora de processos ágeis, simples e adaptados aos nossos tempos. Uma editora em cujo catálogo convivessem de forma salutar autores reconhecidos com novos talentos, num catálogo eclético e democratizante.

E a filial brasileira? Qual a história dela?

A nossa visão foi sempre a de uma editora cujo território fosse a Língua Portuguesa e não um ou outro país. Queríamos edificar uma editora que aproximasse os autores e leitores dos vários territórios onde se fala, pensa e lê em português. E tínhamos a convicção de que teríamos tanto a acrescentar ao universo editorial brasileiro como o que estávamos a acrescentar em Portugal. A resposta que a proposta da Chiado foi tendo, por parte de autores, leitores e livrarias foi-se revelando, ano após ano, muito positiva. O crescimento e sucesso da editora em Portugal foi ganhando alguma visibilidade do outro lado do Atlântico, até mais cedo do que antecipávamos. Começaram a chegar-nos cada vez mais originais de autores brasileiros que, mesmo sabendo que a Chiado era uma editora portuguesa, respondiam com entusiasmo às nossas ideias. Numa fase inicial, o Brasil era trabalhado à distância a partir dos escritórios de Lisboa, mas tornou-se imperativo instalar em São Paulo um escritório da Chiado, com uma equipe totalmente dedicada ao Brasil. A abertura do escritório aconteceu em 2014.

A participação da Chiado no Brasil já é hoje maior que em Portugal?

O Brasil tem um papel bastante importante no volume global de novas publicações da Chiado em Língua Portuguesa.

Como é feita a seleção de novos escritores?

Há dois ângulos fundamentais no trabalho dos nossos Departamentos Editoriais. O primeiro, de caráter proativo, passa pela identificação e convite a autores que procuramos trazer para o nosso catálogo. O segundo é a análise e resposta aos originais que nos chegam – na casa das centenas, todos os meses.

Os nossos princípios orientadores são o cuidado, agilidade e clareza na resposta a todos os que nos procuram. O ato de entrega de um original a um editor é um ato de coragem e de partilha muito grandes e deve, no mínimo, merecer a resposta rápida, franca e clara do editor. Naturalmente, há os originais que publicamos e os que não publicamos, em determinado momento. Mas ninguém fica sem resposta e ninguém recebe uma resposta evasiva quando não há lugar à apresentação de uma proposta de publicação.

Que dicas o senhor daria para os novos autores que pretendem publicar o seu primeiro livro?

É importante ter confiança naquilo que se criou e acreditar no seu valor intrínseco. É também fundamental ter também a noção que o papel do autor na defesa e promoção do seu livro é tão importante como o da editora, seja ela qual for. Tal sucede também na música ou outras áreas artísticas, o contato do autor com o público é fundamental, quer seja nos eventos de apresentação do livro, na forma como interage com os leitores nas suas redes sociais, etc.

Como está o mercado literário? As pessoas têm consumido livros?

O número de pessoas que têm o hábito de comprar livros tem crescido. O leitor está hoje bastante mais empoderado na sua capacidade de escolha do que estava há 10 ou 20 anos. Há 20 anos a oferta disponível era muito curta e dependente dos meios convencionais de distribuição. O leitor tem hoje à sua disposição os meios para realizar a sua própria busca pelos livros, temas e autores que lhe interessam. E mesmo que não os encontre numa livraria, não é difícil adquiri-los diretamente online. O leitor valoriza cada vez mais essa sua própria capacidade de decisão e ação sobre o mercado. É um dos motivos pelos quais o aumento e diversificação da oferta literária disponível é cada vez mais importante.

Na contramão da situação econômica do Brasil, a Chiado ampliou sua equipe. Qual a explicação para isso?

É um sinal de que a nossa visão e leitura do universo editorial brasileiro estava correta. Tínhamos desde o primeiro dia a convicção de que existia uma produção literária contemporânea que era muitíssimo superior ao número de livros e autores que conseguiam aceder à publicação profissional. Temos provado a existência de inúmeros novos autores de imensa qualidade e - mais importante que isso - que existe um enorme número de leitores interessados nessas novas propostas e na descoberta de novos talentos.

Quais os objetivos da editora para os próximos anos no Brasil?

Queremos consolidar a Chiado como editora de referência no universo editorial brasileiro. A Chiado é já hoje uma editora com forte implantação no Brasil, junto de autores, leitores e das mais representativas livrarias brasileiras, mas tem ainda muito por onde crescer e contribuir para um universo editorial mais modernizado, plural e próximo de quem escreve e quem lê.